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Gilberto Antonio do Nascimento

Sistemas convencionais não atendem a populações isoladas


O engenheiro civil, sanitarista e doutor em Gestão Ambiental, Gilberto Antonio do Nascimento, é diretor da ABES/DF e está morando atualmente em Lisboa, Portugal.


Gilberto atuou em prefeituras, empresas privadas e na Caixa, onde colocou em prática muito do que focou no doutorado, na gestão de programas de saneamento em populações urbanas pobres. Ele acha que o Brasil precisa encarar a realidade da falta de saneamento básico para as populações pobres, "uma demanda monstro que tem custo muito alto na saúde pública, na qualidade de vida e na economia".

 

  • Por que você decidiu morar em Portugal?

 

Era um plano antigo de vivência internacional, tenho gosto por viajar, morar em outros países, eu e minha mulher tínhamos planos de passar um período na Europa, viver a Europa. Nós nos mudamos há um ano e meio e a ideia é ficar mais um tempo. Minhas duas filhas também vieram para cá. A Lívia, que morava no Canadá, acabou de ser mamãe do Antonio, nosso primeiro netinho. Ela é formada em Direção Teatral e trabalha com produção cultural. Já a Cecilia é formada em Letras, professora de idiomas e estuda Fisioterapia aqui em Portugal.

 

  • Faça sua apresentação profissional

 

Tenho formação em Engenharia Civil, na UFRJ em 1982. Meu foco sempre foi a área de saneamento e recursos hídricos (hidrelétricas, barragens, gestão de bacias). Fiz pós-graduação em Hidrologia na Universidade de Pádua na Itália, em 1983, pela UNESCO e fiz especialidade em Saúde Pública na Fiocruz em 1992. Fiz mestrado em Geoprocessamento pela UFSC, em 1996 e doutorado em Gestão Ambiental, com tese em planejamento e gestão de programas de saneamento em populações urbanas pobres, também na UFSC e no MIT, o Instituto de Tecnologia de Massachusetts, em Cambridge, nos Estados Unidos, concluída em 2004.


Também atuei na iniciativa privada em projetos de drenagem, saneamento e gestão ambiental e trabalhei com traduções em inglês, sendo fluente em inglês, espanhol e italiano.

Em 2003, fui admitido em concurso na Caixa, onde atuei em habitação, gestão ambiental e saneamento até 2021, quando me aposentei.

 

  • Como era o trabalho na Caixa?

 

Nos últimos anos, eu fiz parte da Gerência de Risco Socioambiental, atuando em avaliações dos empreendimentos que a Caixa financia. A gente avaliava os impactos das obras e medidas mitigadoras, como critério para concessão de financiamento. Eram vistos também os compromissos socioambientais assumidos pelas empresas, por exemplo em relação às populações locais, ao saneamento, à fauna e flora, desmatamento etc.

 

  • Qual foi o trabalho que você considera mais marcante em sua carreira?

 

Foi o de coordenador do PROSANEAR, em Santa Catarina, nos anos 1990. Era um programa federal de saneamento básico para áreas de baixa renda, populações vulneráveis, população de favelas. Coordenei a implantação do programa na Prefeitura de Itajaí e em diversos municípios naquele estado.


Era o trabalho mais efetivo do saneamento, tratando das necessidades mais básicas de serviços de água, esgoto, drenagem e resíduos sólidos. Anteriormente, os recursos somente contemplavam a implantação das redes, mas não a ligação nas casas. Uma grande mudança foi a inclusão das instalações intradomiciliares, além da coleta e destino adequado de resíduos sólidos e a drenagem de águas pluviais.

Coordenei esse programa por mais de 3 anos. Fui contratado como consultor pela Companhia de Águas e Saneamento de Santa Catarina, a Casan, cobrindo todo o estado, implantando equipes e coordenando programas de saneamento em áreas de baixa renda. Foram vários municípios atendidos e eu diria que cerca de 70 mil pessoas foram beneficiadas.


Depois, já na Caixa, continuei trabalhando com isso porque veio o Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC, com a mesma pegada, só que em nível nacional. Tinha também o PAC Favelas, junto com habitação popular.


Também fui palestrante e instrutor da Universidade Corporativa Caixa, uma estrutura grande de treinamento e cursos. Gosto de trabalhar com gente, equipes, treinamentos e processos de avaliação de projetos.

 

  • Você considera o PAC uma alternativa para retomar os investimentos para a população de baixa renda?

 

Acredito que sim, as condições são diferentes, até em função da realidade financeira, da nova realidade, inclusive com a participação privada. A demanda reprimida em saneamento no Brasil é altíssima e novas abordagens precisam ser praticadas nas políticas públicas.


Isso dá espaço para a participação privada, na composição adequada com os governos, criar um efeito escala, atender a muita gente com oferta de serviços adequados, mas precisamos de tecnologia adequada, não só do serviço convencional.


As empresas de saneamento estaduais costumam ter a visão da época do Plano Nacional de Saneamento, o PLANASA, que foca mais nos sistemas convencionais, com rede. Isso não atende as populações mais isoladas ou em terrenos mais difíceis para chegada de redes de água e esgoto. É preciso ter sistemas individuais e coletivos que possam oferecer serviços adequados de maneira economicamente viável. E essa tecnologia existe, precisando com urgência ser adequadamente incorporada.


É uma equação que precisa ser encarada. O atendimento dessa enorme demanda tem como consequência direta mais qualidade de vida, menos inadimplência, população menos doente, habitações e cidades melhores. Não atacar a realidade do saneamento básico para as populações pobres tem um custo muito alto na gestão da saúde pública.


Meu doutorado foi em gestão e planejamento de programas de saneamento em populações urbanas pobres. Precisamos desenvolver metodologia para estruturar esses programas com a visão de participação, a exemplo do orçamento participativo. Precisa ter formação de equipes profissionais interdisciplinares, não é coisa que o engenheiro sozinho dá conta, precisa de profissionais das áreas sociais, comunicação e outros, atuando em conjunto para transformar a realidade com o saneamento.

 

  • Fale sobre seus planos em Portugal

 

Além de vivenciar bem o país e sua rica cultura, estou em contato com algumas entidades, como a Associação Portuguesa de Engenharia Sanitária e Ambiental (APESB) e a Associação Portuguesa de Recursos Hídricos, buscando integração profissional aqui e também nos países da África com que Portugal mantém parcerias de atuação em saneamento.


Acrescento que, no Brasil, estou fazendo parte da Associação Soluções Inclusivas Sustentáveis, a SIS, que tem foco em conciliar finanças com desenvolvimento sustentável. Fui convidado por essa ONG para montar inicialmente uma matriz de classificação dos empreendimentos quanto a risco socioambiental no Brasil, com bases internacionais, para normatizar melhor, dar diretrizes mais claras para bancos e investidores, para o mercado de Bolsa, créditos de carbono, mudanças climáticas. É uma abordagem interessante, muito atual e urgente.

 

  • Como você vê o papel da ABES?

 

Como entidade de classe que reúne profissionais da área de saneamento, ela tem um papel importante, independente tanto das instituições governamentais quanto do setor privado. Ela busca dar o foco da visão técnica em saneamento no Brasil. A ABES é imprescindível como um fórum de debate que pesa as questões técnicas, econômicas e políticas para fazer acontecer o saneamento básico. É também fonte de disseminação de tecnologia, uma referência há mais de 50 anos.


Desde estudante eu já participava da ABES. Fui associado na ABES/RJ, fiz parte da diretoria da ABES/SC e depois na ABES/DF.

Gilberto Antonio do Nascimento
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